Subo uma rua. Escurece. Palheiros, tábuas podres, estábulos de cavalgaduras e armazéns de salga. Mulheres, crianças, porcos. Subo sempre entre barracas velhas, algumas com os pés metidos na água; outras, lá em cima, derreadas e cambadas, defendendo-se da areia que as subverte com paliçadas de pinheiro. Sombras, confusão de ruelas fedorentas e escuras, falatório nas tabernas. Restos de peixe por toda a parte e de ceirões velhos que apodrecem, entre a vida que pulula e ao ar do mar que vem do largo e tudo varre e purifica. Com a noite a confusão redobra: a terra parece maior e mais escura. Continuo a subir e lá no alto descubro enfim o mar, mais palheiros esparsos no esplêndido areal e alguns barcos estranhos e arcaicos, que erguem até ao céu as proas e as popas desmedidas, Raúl Brandão, Os Pescadores, 1923